segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Um deboche em face do cidadão

 Por Walter Waltenberg Silva Junior, Vice-Presidente e Corregedor do TRE-RO.

Não tenho tido tempo para comentar tolices, mas a fala do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil , justamente por fazer eco à constante e incessante campanha de desmoralização da magistratura brasileira , não merece ficar sem resposta .
          Para o Doutor Lamachia, punições a juízes no Brasil são "deboche à sociedade brasileira". Refere-se, especificamente, aos casos de punições com pena de disponibilidade, ou de aposentadoria compulsória, onde o magistrado recebe proventos de aposentadoria ou disponibilidade proporcionais ao tempo de serviço.
          Parece óbvio que não haja disposição constitucional que não tenha sido lentamente lapidada pelo tempo . Mas não é bem assim, uma vez que poucas pessoas se dedicam ao estudo da evolução das garantias constitucionais , quase sempre falando, em consequência, daquilo que não conhece.
        
  A magistratura nacional não sacou suas garantias constitucionais de alguma cartola , como se tudo não passasse de um passe de mágica. Só no Brasil, quase 500 anos de evolução constitucional foram necessários para que chegássemos ao atual modelo de garantias constitucionais da Magistratura.

          Mas o que poucos sabem, e os que sabem parece não ter interesse em divulgar que sabem, é que as garantias oferecidas à magistratura são aquelas absolutamente indispensáveis à garantia dos direitos constitucionais dos cidadãos. Num modelo de magistratura administrativamente hierarquizado, como é o caso da Magistratura Nacional, 
o risco enorme de danos a independência absoluta do magistrado, essencial para a garantia de um julgamento justo, só é afastado, relativamente afastado, com absoluto respeito à garantia constitucional de vitaliciedade.

           Quem, em sã consciência, gostaria de ser julgado por magistrado que dispusesse apenas, das garantias disponíveis aos servidores públicos que não integram a porção dos agentes políticos? Para exercer com relativa tranquilidade o seu dever de dar a cada um o que é seu, exercendo um dos Poderes da República, é imperioso que a magistratura disponha de instrumentos que lhe dêem tranquilidade suficiente para afastar qualquer possibilidade de ingerência indevida nas causas submetidas à sua apreciação.
          É justamente esse ponto que tem sido subtraído da atenção da opinião pública, utilizando-se o ilustre Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, como de resto fazem todos os outros, de argumentos que reduzem as garantias voltadas diretamente para a garantia dos direitos individuais dos cidadãos,  a mero e intolerável privilégio de uma casta que não deveria mais encontrar abrigo constitucional.
          Nesses tempos em que a Constituição é interpretado de acordo com a vontade "de momento" da população, como se vê com essa coisa da prisão sem trânsito em julgado da condenação, o que mais deveria desejar o cidadão seria merecer um julgamento imparcial, um olhar atencioso do magistrado para os seus argumentos, para o conjunto da prova, enfim, um julgamento onde se afastasse completamente toda e qualquer possibilidade de ingerência externa na conclusão do magistrado.
          Mas quem vive a magistratura sabe a que ponto as interferências podem influir decisivamente numa decisão jurisdicional. Para tornar indiferente a tentativa de influenciar que parte de um Conselheiro do CNJ, de um Desembargador, de um Ministro, somente uma garantia solidamente anotada na Constituição da República para transmitir ao magistrado a certeza de que deve fazer o que lhe parece justo, e não o que lhe pedem.
          Falta explicar ao povo que as garantias constitucionais da impossibilidade de deixar o magistrado o local de exercício do seu cargo contra a sua vontade , o impedimento de redução do seu salário, e a natureza vitalícia de seu "emprego" só ganham relevo constitucional em proveito do próprio cidadão ao qual são, em última análise, dirigidas.
          Me assusta ver que pessoas lúcidas como Doutor Lamachia, democratas de carteirinha, republicanos até a alma, passem a torcer a favor de uma magistratura enfraquecida , temerosa , incapaz de desfazer-se a contento dessa missão quase sacerdotal de distribuir Justiça.
           Me apavora essa cantilena que incute na opinião pública a ideia de que juízes que cometem crimes conservam seus "polpudos" proventos de aposentadoria , quando na verdade se sabe que o destino deles é a perda do cargo , ainda quando completados todos os requisitos para a concessão da aposentadoria.
Para qual finalidade se omite da opinião pública que juízes punidos com disponibilidade ou aposentadoria compulsória tem tanta vergonha da punição que mal conseguem sair à rua? Sem vocação, o juiz inteligente e estudioso não dura um ano na magistratura. Vai ter sucesso na advocacia, onde não encontra limites para a compensação financeira de sua especial capacidade. Vocacionado, deseja a magistratura, e o afastar-se dela o torna meio que um morto-vivo.

          Magistrados lidam com valores absurdamente caros , independente do fato de serem valores monetários, éticos ou sentimentais. É fácil dizer ao cidadão distante do Fórum que garantias de sua pessoal proteção são um deboche. Mas quando é necessário determinar a extensão do dano moral em face de outro cidadão ou mesmo do Estado, o valor da independência garantida contra tudo e contra todos aparece com toda a sua relevância. Quando é o caso de se insurgir contra a prisão ilegal , que furta instantes preciosos de liberdade , essas garantias se justificam em toda a sua plenitude. Basta estar subtraído da convivência de um filho por iniciativa de um cônjuge de coração ferido, para facilmente constatar que é muito barato manter o magistrado corrupto por alguns meses ou anos à custa do Estado, se a contrapartida é a manutenção do sistema constitucional de garantia de liberdades que demoramos tanto séculos para aperfeiçoar, e que assegura o exercício competente e honrado de milhares de magistrados.

          Eu desejo, Doutor Claudio Lamachia, que o senhor jamais precise lutar por sua liberdade . Mas se for o caso de brigar por ela, tomara que o senhor encontre um magistrado livre das limitações que lhe pretende impor.

WW é Vice-Presidente e Corregedor do TRE-RO

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